A primeira vaga do vírus encontrou-nos impreparados. A segunda também. Entre uma etapa e outra houve certamente quem vigiasse, quem mantivesse o estado de alerta ou até antecipasse o cenário em que agora de novo entramos. Mas o desejo de um regresso à normalidade era tanto que aqueles que puderam removeram a memória do período anterior. O negacionismo não é só o dos outros e tem múltiplas linguagens e faces dentro de nós. Agarrámo-nos ao verão como a um reencontro com a liberdade, festejando-a como uma prova de vida, convencendo-nos que o mais difícil havia passado, exorcizando nos dias amplos daqueles meses e nas suas despreocupadas esplanadas a escuridão que, afinal não há tanto tempo, tínhamos experimentado.
Vivemos a primeira vaga pandémica como um trauma. Viveremos a segunda também assim. A primeira chegou-nos como o desabar de uma agressão e descobrimo-nos, a essa áspera luz, mais vulneráveis do que alguma vez o pensámos. A atual recidiva agrava o sentimento de que estamos impotentes e sitiados, porque ao peso da pandemia propriamente dito soma-se agora o luto das nossas ilusões, a fragilização trazida pelo cansaço e, aqui e ali, também uma descontrolada explosão social de raiva. No fundo, trata-se de lidar com a repetição, essa categoria com a qual nos precisamos reconciliar e da qual temos muito a aprender.
Source: expresso.pt
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