Gonçalo Ribeiro Telles, Mester da Paisagem, que para além do professor arquitecto paisagista, foi um homem de uma enorme sabedoria, de um carácter coerente e de um pensamento estruturado.
A luta que travou, logo no início da carreira, com a Câmara Municipal de Lisboa, por causa do projecto da Av. da Liberdade, é um exemplo bem ilustrativo da sua vontade indómita em querer fazer aquilo que considerava correcto e não por simples gosto ou capricho pessoal, mas sim pela prossecução de valores ecológicos essenciais. Tudo isto começou por se fazer, mas logo a Câmara quis desfazer – e desfez – sem a sua concordância, e, por isso, demitiu-se.
Nas suas primeiras obras já aparece a ideia de continuidade (Bairro das Estacas), de recreio (D. Rodrigo da Cunha), de apropriação ecológica do espaço para as pessoas, para o passeio à sombra, para a merenda e para o refúgio (Mata de Alvalade), de paisagem com a respectiva relação visual entre sítios (Capela de S. Jerónimo).
O conjunto destes conceitos percebe-se no jardim da Gulbenkian que concebeu com o seu colega Viana Barreto. Aí fez a "sua ilha dos amores", modelando pormenorizadamente o terreno e acrescentando cantos e recantos, a água, os sons, as cortinas de árvores, a variedade arbustiva e de cores, diferentes perspectivas, enfim, o paraíso.
Desde cedo, no seu pensamento subjaz a ideia de território, frágil e limitado, como uma entidade física e biológica. Esta paisagem humanizada foi resultando sempre de um prévio olhar pela geomorfologia, pela sua história, ocupação e aproveitamento agrícola, aspectos e olhares que nestes tempos modernos muitas vezes são esquecidos quando se faz "supostamente" ordenamento do território.
E, na sua perspectiva, a constante presença da árvore, elemento central da paisagem. No campo "devemos pedir às árvores o mesmo que deseja qualquer pessoa educada: não dar nas vistas".
A escala da árvore, dos seus alinhamentos e o seu relacionamento com os edifícios, é decisiva para o urbanismo e para o bom desenho do espaço público, como o Mestre sempre defendeu.
A defesa dos logradouros privados, "quintais" como costumava chamar, foi outra das suas batalhas, quer no projecto, quer na sua valorização.
E o que reclamou para Lisboa, e uma das suas maiores lutas, é aquele continuum naturale que nos leva da Av. da Liberdade até Monsanto, ou o do corredor do Vale de Alcântara, ou o dos corredores periférico e orientais.
Desta necessidade de humanizar aqueles terrenos, para salvaguardar as linhas de água, as brisas, aumentar a biodiversidade, para que se percebesse que o planeamento não se deve fazer por zonas, mas por sistemas ecológicos, num equilíbrio dinâmico, feito pelo homem e para o homem, resulta, sem dúvida, uma das marcas de agora e de Lisboa.
Hoje, aí, é bem visível a vitória da sua estratégia, pois este território foi e está a ser apropriado pelas pessoas que passaram a conhecer uma nova paisagem, novos sítios, vistas, caminhos e até topónimos.
Foi com a ideia de interligar espaços e territórios, quase de coser a cidade, que temos erguido uma série de pontes, uma das tácticas que o Professor nos transmitiu para ultrapassar obstáculos e erros do passado e que resumo na seguinte frase – quando não podemos ir a pé, saltamos.
E é sempre com o pensamento no conceito da indissociabilidade da urbe e do ager, ou seja, da cidade e do campo, na defesa dos valores permanentes da paisagem, com o seu equilíbrio e viabilidade, que podemos pensar em ir mais longe e estender a ideia, o continuum naturale e cultural, agora chamado infraestrutura verde, à área metropolitana e à região de Lisboa e, também, a Portugal.
Essencial é falar das hortas e do abastecimento alimentar à cidade. Finalmente, é por todos reconhecida a importância das hortas urbanas que servem para a subsistência de uns, para o convívio de muitos e para fazer paisagem para todos.
Foi para defender estas ideias e executar o Plano Verde da Cidade que o Gonçalo Ribeiro Telles me convenceu a candidatar à Câmara Municipal de Lisboa e gostaria de aqui dizer que me parece ter valido a pena ter aceitado o desafio.
Neste ano, em que celebramos o prémio Lisboa Capital Verde Europeia 2020, muito por causa da concretização do referido Plano Verde, quando queremos e estamos a homenagear o grande homem, arquitecto paisagista e professor com a exposição que está patente na antiga Casa dos 24, Igreja São José dos Carpinteiros, ainda para mais num edifício que ele tanto queria ver recuperado, e quando temos quase tudo pronto no território, ainda se adivinham riscos e outras vontades e, por isso, faz-me agora muita falta o conselho do Mestre à seguinte pergunta: que devo fazer, quando a terra e o homem, em muitas ocasiões, parece que deixaram de contar? Para já resta-me só dizer: Obrigado Gonçalo.
Source: expresso.pt
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