четверг, 12 ноября 2020 г.

Gonçalo Ribeiro Telles, Mester da Paisagem

Gonçalo Ribeiro Telles, Mester da Paisagem, que para além do professor arquitecto paisagista, foi um homem de uma enorme sabedoria, de um carácter coerente e de um pensamento estruturado.

A luta que travou, logo no início da carreira, com a Câmara Municipal de Lisboa, por causa do projecto da Av. da Liberdade, é um exemplo bem ilustrativo da sua vontade indómita em querer fazer aquilo que considerava correcto e não por simples gosto ou capricho pessoal, mas sim pela prossecução de valores ecológicos essenciais. Tudo isto começou por se fazer, mas logo a Câmara quis desfazer – e desfez – sem a sua concordância, e, por isso, demitiu-se.

Nas suas primeiras obras já aparece a ideia de continuidade (Bairro das Estacas), de recreio (D. Rodrigo da Cunha), de apropriação ecológica do espaço para as pessoas, para o passeio à sombra, para a merenda e para o refúgio (Mata de Alvalade), de paisagem com a respectiva relação visual entre sítios (Capela de S. Jerónimo).

O conjunto destes conceitos percebe-se no jardim da Gulbenkian que concebeu com o seu colega Viana Barreto. Aí fez a "sua ilha dos amores", modelando pormenorizadamente o terreno e acrescentando cantos e recantos, a água, os sons, as cortinas de árvores, a variedade arbustiva e de cores, diferentes perspectivas, enfim, o paraíso.

Desde cedo, no seu pensamento subjaz a ideia de território, frágil e limitado, como uma entidade física e biológica. Esta paisagem humanizada foi resultando sempre de um prévio olhar pela geomorfologia, pela sua história, ocupação e aproveitamento agrícola, aspectos e olhares que nestes tempos modernos muitas vezes são esquecidos quando se faz "supostamente" ordenamento do território.

Aliás, foi com essa base que Ribeiro Telles fez dois dos documentos mais importantes em termos de ordenamento do território do país, a reserva agrícola e a reserva ecológica do país.

E, na sua perspectiva, a constante presença da árvore, elemento central da paisagem. No campo "devemos pedir às árvores o mesmo que deseja qualquer pessoa educada: não dar nas vistas".

A escala da árvore, dos seus alinhamentos e o seu relacionamento com os edifícios, é decisiva para o urbanismo e para o bom desenho do espaço público, como o Mestre sempre defendeu.

A defesa dos logradouros privados, "quintais" como costumava chamar, foi outra das suas batalhas, quer no projecto, quer na sua valorização.

E o que reclamou para Lisboa, e uma das suas maiores lutas, é aquele continuum naturale que nos leva da Av. da Liberdade até Monsanto, ou o do corredor do Vale de Alcântara, ou o dos corredores periférico e orientais.

Desta necessidade de humanizar aqueles terrenos, para salvaguardar as linhas de água, as brisas, aumentar a biodiversidade, para que se percebesse que o planeamento não se deve fazer por zonas, mas por sistemas ecológicos, num equilíbrio dinâmico, feito pelo homem e para o homem, resulta, sem dúvida, uma das marcas de agora e de Lisboa.

Hoje, aí, é bem visível a vitória da sua estratégia, pois este território foi e está a ser apropriado pelas pessoas que passaram a conhecer uma nova paisagem, novos sítios, vistas, caminhos e até topónimos.

Foi com a ideia de interligar espaços e territórios, quase de coser a cidade, que temos erguido uma série de pontes, uma das tácticas que o Professor nos transmitiu para ultrapassar obstáculos e erros do passado e que resumo na seguinte frase – quando não podemos ir a pé, saltamos.

E é sempre com o pensamento no conceito da indissociabilidade da urbe e do ager, ou seja, da cidade e do campo, na defesa dos valores permanentes da paisagem, com o seu equilíbrio e viabilidade, que podemos pensar em ir mais longe e estender a ideia, o continuum naturale e cultural, agora chamado infraestrutura verde, à área metropolitana e à região de Lisboa e, também, a Portugal.

Essencial é falar das hortas e do abastecimento alimentar à cidade. Finalmente, é por todos reconhecida a importância das hortas urbanas que servem para a subsistência de uns, para o convívio de muitos e para fazer paisagem para todos.

Foi para defender estas ideias e executar o Plano Verde da Cidade que o Gonçalo Ribeiro Telles me convenceu a candidatar à Câmara Municipal de Lisboa e gostaria de aqui dizer que me parece ter valido a pena ter aceitado o desafio.

Neste ano, em que celebramos o prémio Lisboa Capital Verde Europeia 2020, muito por causa da concretização do referido Plano Verde, quando queremos e estamos a homenagear o grande homem, arquitecto paisagista e professor com a exposição que está patente na antiga Casa dos 24, Igreja São José dos Carpinteiros, ainda para mais num edifício que ele tanto queria ver recuperado, e quando temos quase tudo pronto no território, ainda se adivinham riscos e outras vontades e, por isso, faz-me agora muita falta o conselho do Mestre à seguinte pergunta: que devo fazer, quando a terra e o homem, em muitas ocasiões, parece que deixaram de contar? Para já resta-me só dizer: Obrigado Gonçalo.

Source: expresso.pt

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