Trata-se de um debate atual e oportuno, tendo em conta a eficácia de várias estratégias e experiências desenvolvidas em todo o mundo. Num tempo de transformações estruturais da sociedade, de pandemia e futuro incerto, as políticas públicas e a comunicação dos poderes com o cidadão devem ser eficazes e induzir comportamentos positivos. Em Portugal, vários organismos — públicos e privados — têm recorrido a esta teoria para afinar as decisões dos cidadãos. Em três dias de conferências, lançámos luz sobre três aplicações fundamentais do nudge no nosso país: alimentação e nutrição, políticas públicas e sector financeiro.
DIA 1: ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO
Diogo Gonçalves, fundador da Nudge Portugal, elaborou um projeto de nudge num supermercado do grupo Auchan. Professor universitário com vasto percurso académico na área da economia comportamental, propôs-se aumentar a venda de frutas e legumes utilizando uma simples mensagem colocada junto às balanças das verduras e noutros locais estratégicos: "As famílias mais saudáveis desta loja compram, em média, 11 artigos de legumes por visita. E você?" O resultado foi além do normalmente alcançado por uma mera promoção nos preços, registando um aumento de 12% nas vendas de legumes e um crescimento na variedade destes produtos na ordem dos 30%.
"A ideia foi colocar as mensagens para serem lidas no momento da decisão. Normalmente, uma promoção do preço consegue um aumento de compra até 12%. Ou seja, tivemos um impacto maior sem mexer nos valores", afirmou Paulo Monteiro, diretor de responsabilidade social e corporativa da Auchan Retail Portugal. A estratégia tinha um objetivo comercial, mas também de promoção de hábitos alimentares mais saudáveis. E foi nessa fronteira que Bruno Santos, relações públicas da DECO Proteste, focou o raciocínio: "Isto é marketing? O exemplo é positivo, mas a publicidade vai-se apropriar do nudge nas suas diversas formas."
Num país onde 67% da população acima dos 15 anos têm excesso de peso — segundo dados do relatório "Health at a Glance", da OCDE —, as políticas de promoção de hábitos alimentares saudáveis são cada vez mais uma preocupação das autoridades de saúde. Maria João Gregório, diretora do Programa Alimentação Saudável, da Direção-Geral da Saúde, fez questão de notar como o fraco consumo de verduras é dos maiores erros alimentares dos portugueses — um facto que pode ser mudado com algumas estratégias nudge.
"Os sistemas de rotulagem que queremos nas embalagens podem mudar o contexto no momento da compra. Poderá ser uma abordagem", afirmou, exemplificando com outras iniciativas que encaixam na teoria nudge. É o caso do protocolo que tem vindo a ser preparado com a restauração para evitar o consumo excessivo de açúcar. Trata-se de uma simples alteração do contexto, na expectativa de influenciar os consumidores de café: não colocar o pacote de açúcar, apenas a pedido do cliente.
"Procuramos dar informação para uma escolha autónoma e informada, mas isso não chega. No momento de fazermos estas escolhas, são muitos os estímulos para fazer a opção errada. Temos procurado intervir criando símbolos para uma opção certa, de forma que a escolha seja a mais saudável." Para José Camolas, vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas, as mudanças comportamentais ocupam as prioridades da comunidade médica especializada em nutrição e alimentação saudável. E por vezes basta uma simples alteração contextual para induzir uma mudança no comportamento. Há um exemplo clássico de nudge, desenvolvido por Brian Wansink, investigador na área do comportamento do consumo, cuja experiência resultou numa diminuição de 22% no consumo de calorias. Como? Reduzindo o tamanho do prato.
"Que utilização um nutricionista pode dar ao nudge? O conceito do menos é mais. Uma nanointervenção, comer um pouco mais devagar, contar até 10 entre garfadas, adotar padrões alimentares mais estáveis. Isto terá um efeito muito mais específico do que um plano estruturado", disse Camolas, levantando também algumas questões quanto ao uso da arquitetura da escolha, como a literacia do consumidor. O problema, diz, está em deduzir que "o interlocutor está preparado para a mudança de comportamento. Pode ser uma mudança pontual. O grande trabalho é perceber durante quanto tempo essa mudança se manteve".
DIA 2: POLÍTICAS PÚBLICAS
Em Portugal há vários organismos públicos que têm testado esquemas de arquitetura da escolha para tomarem decisões políticas. Mas se a abordagem das políticas públicas tradicional pressupõe uma decisão racional dos indivíduos, o nudge parte do oposto, de um número que pode desafiar e transformar os atuais modelos: 95% das nossas decisões são tomadas de forma irracional.
Para Joana Lourenço, cientista de comportamento no Banco Mundial, em Washington, a abordagem nudge é complementar aos modelos de hoje. "Oferece uma nova lente, que nos permite olhar para os problemas de forma diferente e elaborar políticas mais alinhadas com o contexto, mais eficazes", disse a investigadora durante o debate. Trabalha com uma equipa de 19 pessoas e tem mais de 100 projetos de nudge em 65 países, em áreas como educação, planeamento urbano, infraestruturas, ambiente. "Se pensarmos, por exemplo, num contexto de melhoria de serviços, o foco deve estar na simplificação dos procedimentos, no acesso a informação, na resolução de fricções até à ação, na forma como as escolhas são apresentadas ao indivíduo."
Em Lisboa, a Gebalis recorreu à teoria da escolha para reduzir as dívidas das rendas em vários bairros municipais da capital. Pedro Pinto de Jesus, presidente do conselho de administração, informou que a empresa apostou numa comunicação mais direta, mas capaz de gerar empatia junto dos moradores que receberam as cartas. "Utilizamos uma linguagem mais simples e direta, mais colorida, com letras manuscritas, explicamos sem linguagem burocrática." Os resultados não tardaram: o retorno positivo foi de 70%. "Numa segunda campanha, concluímos que o retorno foi 29 vezes o que investimos."
O recurso ao nudge pode introduzir melhorias substanciais na relação entre cidadãos e empresas ou as próprias políticas públicas. Sobretudo no que respeita à comunicação. A leitura de uma fatura de água é mais simples se o volume for medido em litros, e não em metros cúbicos. Uma alteração simples que mudou a perceção do gasto em muitos consumidores. Mas a campanha que mais impacto teve na Águas do Tejo foi quando a empresa quis começar a usar água reciclada para fins não potáveis.
"Temos como meta usar água reciclada para rega de espaços, lavagem de ruas, e isso tem sido difícil. As pessoas não gostam de uma água que andou nos nossos esgotos", contou Hugo Xambre Pereira. A estratégia nudge aplicada pela empresa pública passou pela criação de uma cerveja feita com água reciclada. O objetivo era mudar a perceção dos consumidores e induzir uma nova ideia, que rejeitavam. "Fizemos uma cerveja de água reciclada. Se beberem e perceberem que é segura, mais facilmente aceitam que os espaços verdes sejam regados com essa mesma água."
DIA 3: SECTOR FINANCEIRO
O que conta realmente? O retorno económico ou a alteração dos comportamentos? A medição dos efeitos do nudge é um território cinzento, tendo em conta que esta teoria pode ser usada para influenciar os consumidores numa lógica mais comercial e menos no sentido das políticas e interesse públicos. Esta foi uma das principais questões em debate no terceiro e último dia de conferência, que contou com a participação do economista comportamental Cass Sunstein, coautor, com Richard Thaler, do livro "Nudge, o Empurrão para a Escolha Certa", que deu origem ao conceito.
O norte-americano reduziu a estratégia nudge ao acrónimo feast — que remete para as ideias de fácil, atraente, social e oportuno — para abordar a pandemia e o recurso à arquitetura da escolha para implementar de forma mais eficaz as medidas impostas pelas autoridades de saúde. "Novos estudos sugerem que as pessoas têm comportamentos que emergem do coletivo. Aumentar o uso de máscaras, os comportamentos sustentáveis, não fumar, tudo isto tem a ver com normas emergentes. A ideia básica é que ninguém quer estar do lado errado da história", contou o economista.
Uma das aplicações possíveis abordadas durante o debate seria recorrer ao nudge para melhorar o comportamento financeiro dos consumidores. Melhorar a taxa de poupança recorrendo a incentivos baseados na teoria nudge: "É uma questão transversal a muitos países. Cá já se experimentou o nudge para incentivar à poupança. Se uma pessoa pede um crédito habitação, abre-se automaticamente um plano poupança", exemplificou Sandra Maximiano, economista comportamental do ISEG, referindo sentir que existe recetividade da área financeira para implementar técnicas nudge. Por outro lado, nota uma nova forma de os bancos avaliarem o perfil de risco de um investidor. "Era baseado em questões tradicionais, o tipo ativo a investir e classificado de 0 a 10." Hoje, com diferentes técnicas, algumas de nudge, os bancos sabem que os clientes "enviesam as suas respostas, subestimam o seu padrão de risco, se estiverem acompanhados dão respostas diferentes do que se estivessem sozinhos".
A Ageas Seguros é outra empresa que implementou técnicas nudge para se relacionar de forma mais eficaz com os clientes. "Temos um programa para testar em pequena escala e implementamos o marketing digital", afirmou Steven Braekeveldt, do grupo Ageas Portugal, que tem um programa de rádio "que explica a toda a população o que é um seguro em poucas palavras. A legislação é tão complicada que as pessoas não leem. É preciso fazê-lo através do marketing digital. Nudge é sobretudo informação e emoção. Nos seguros protegemos a casa, a família. A única coisa que vendemos é emoção".
5 fenómenos nudge
Estratégias adotadas em vários países para melhorar o comportamento económico e tomar decisões acertadas
Cinzeiros
O futebol é o desporto mais popular no Reino Unido. Partindo deste princípio, a organização de defesa do ambiente Hubbub criou um sistema baseado na arquitetura do pensamento para reduzir as beatas atiradas ao chão. Como? Instalando cinzeiros nas cidades com dois depósitos distintos, transparentes, e uma pergunta para os fumadores decidirem onde apagar o cigarro: "Qual o melhor jogador do mundo?" As opções eram Messi ou Ronaldo. O êxito do sistema levou a que fosse replicado com ícones de outras modalidades (como Fórmula 1, ténis ou críquete) e resultou na redução de 46% da poluição provocada pelas beatas. O teste foi também realizado nos EUA, tendo alcançado reduções na ordem dos 74%.
Solidariedade
A doação de órgãos é uma questão sensível: salvar alguém beneficiando da morte — e dos órgãos — de outra pessoa. Partindo de estudos relacionados com a arquitetura do pensamento, diferentes Governos decidiram que cada cidadão é considerado doador desde a nascença. A estratégia baseia-se num número: nos países onde as pessoas precisam de se registar para doar órgãos, apenas 30% dos cidadãos aderem aos programas. Estando registados à nascença, somente 15% optam por sair destes programas. É o caso de Portugal, que tem um Registo Nacional de Não Dadores que viabiliza o direito de oposição à dádiva de órgãos.
Saúde
Para promover hábitos de vida saudáveis, o Governo sueco desafiou os utilizadores do metropolitano a evitarem as escadas rolantes, incentivando ao exercício físico subindo a pé pelas escadas normais. Usaram uma estratégia nudge: pintaram as teclas de um piano ao longo dos degraus, associando-lhes sons de piano reais. Um sucesso: aumento de 66% no número de pessoas que passaram a utilizar as "escadas-piano". "A diversão pode mudar para melhor o comportamento das pessoas", lê-se no vídeo da experiência, cujo método foi aplicado em cidades como Milão, Istambul ou Melbourne.
Higiene
É a experiência mais conhecida do universo nudge. A história começa no aeroporto de Schiphol, mais exatamente na casa de banho masculina. Não por falta de pontaria, mas por mero desleixo e desatenção, ao utilizarem o urinol os homens raramente acertavam no sítio certo, deixando o WC pouco recomendável e uma fatura nas limpezas cada vez maior. Add Kieboom, economista que trabalhou 31 anos naquele aeroporto, teve a ideia de colar uma mosca em cada urinol, captando a atenção e reduzindo 80% dos derrames.
Finanças
Pagamento de impostos fora de horas. O assédio constante aos contribuintes — em Portugal, durante o período de resgate financeiro, os devedores ao fisco recebiam vários e-mails por semana para incentivar pagamentos em atraso — nem sempre teve bons resultados. No Reino Unido, a opção do Governo foi mais moderada, menos intrusiva e com melhores resultados. Para isso recorreu a técnicas nudge, utilizando as normativas sociais como "nove em cada dez pessoas da sua área de residência têm os impostos em dia". Uma frase simples que contribuiu para um aumento de 15% do pagamento de impostos em falta.
Textos originalmente publicados no Expresso de 10 de outubro de 2020
Source: expresso.pt
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