вторник, 13 октября 2020 г.

“A pandemia criou um grande incentivo para automatizar o trabalho. Uma máquina não fica doente”

Não foi preciso virem as máquinas, bastou uma pandemia. "Encontramo-nos num mundo com menos trabalho, não porque os robôs nos roubaram o emprego, mas porque este vírus dizimou completamente tantos empregos." Quem o diz é o investigador britânico Daniel Susskind, numa videochamada com o Observador. Otimista assumido, acrescenta que tem uma solução para o problema: um rendimento básico condicional, que dê um salário a quem fica desempregado em troca de funções que cumpram com o princípio da solidariedade social. "Precisamos que o Estado intervenha", reforçou o autor do livro "Um Mundo sem Trabalho", que já foi selecionado para a shortlist do Prémio Business Book of the Year, do Financial Times, e que em Portugal é editado pela Ideias de Ler, do grupo Porto Editora.

Numa conversa que passa pela poder que as grandes empresas tecnológicas têm atualmente, pela forma como a Covid-19 pode ter criado um incentivo à automação de funções que atualmente são as as mais afetadas pela pandemia e pelos desafios que um mundo sem emprego coloca ao nível do propósito e da realização pessoal, o autor não tem dúvidas do que tudo isto significa: "Estes desafios são o preço que pagamos por esta prosperidade extraordinária que alguns de nós estão a aproveitar".

Professor e investigador na Universidade de Oxford, Daniel Susskind tem-se dedicado ao estudo do impacto da tecnologia, em particular da inteligência artificial, no contexto laboral e na sociedade. Foi conselheiro do governo britânico, tendo feito parte da equipa de estratégia do primeiro-ministro Gordon Brown. Ao Observador, diz que demos muito poder e dados às grandes tecnológicas durante a pandemia, mas é que uma ação reversível. "O que precisamos é de um novo tipo de instituições, que sejam desenhadas para rever e contrair o poder político destas grandes empresas", explica.

O livro "Um Mundo Sem Trabalho" é editado pela Ideias de Ler, uma chancela do grupo Porto Editora

Antes de falarmos de um mundo sem trabalho, vamos primeiro ao mundo em que vivemos, que está muito dependente das Big Tech [grandes empresas tecnológicas como o Facebook, Google, Apple ou Amazon]. Qual é o maior perigo que isto representa para nós enquanto sociedade?
A questão das Big Tech é muito importante. Não acho que seja possível falar do futuro do trabalho sem pensar também pensares nestas grandes empresas tecnológicas. Porquê? Porque são aquelas que, em muitos casos, serão as responsáveis por desenvolver tecnologias que poderão tirar as pessoas do trabalho. Essa é uma das razões pelas quais passei tanto tempo no livro a pensar com muito cuidado sobre estas grandes empresas tecnológicas. Acho que o ponto mais importante a sublinhar é que aquilo que me preocupa em relação às empresas tecnológicas no séc. XXI é um bocadinho diferente daquilo que preocupa as pessoas em relação às grandes organizações no séc. XX.

No séc. XX, a nossa maior preocupação era o poder económico: preocupávamo-nos com coisas como a concentração de mercado ser excessiva, por exemplo. Acho que no séc. XXI vamos estar muito menos preocupados com o poder económico e muito mais com o poder político — com o impacto que têm em coisas como a democracia e justiça social. E vamos estar muito mais preocupados com o facto de essas coisas estarem ou não sob ameaça. Um exemplo: o Facebook. Sim, claro que há pessoas que estão preocupadas com o lucro e o domínio que têm do mercado, mas também acho que estão muito mais preocupadas com o poder político e o impacto que a rede social tem na democracia, por exemplo. Dizem que, em 2016, a Rússia foi capaz de usar a plataforma para influenciar as eleições presidenciais e isto é o tipo de preocupações que as pessoas cada vez mais vão ter. Vão estar mais preocupadas com o impacto que estas grandes empresas tecnológicas têm ou como vamos viver a nossa vida em conjunto.

O que é interessante sobre esta pandemia é que antes de começar havia cada vez mais conversas sobre temas como a privacidade dos dados e segurança. Depois, começámos a ter uma mentalidade de "vamos fazer o que tiver de ser feito" e estas conversas sobre proteção de dados e segurança desapareceram do debate público. Demos a estas grandes empresas tecnológicas uma grande quantidade de dados, como localização geográfica, histórico do cartão de crédito, etc. Essas coisas podem ter sido precisas para controlar o vírus no início da pandemia, mas, à medida que for caminhando para o seu fim, temos de regressar a esse poder político que demos às empresas durante a crise.

Mas vai ser possível dar esse passo atrás? Parece que está tudo já tão avançado que é impossível.
Acho que é difícil, mas possível. O que precisamos é de um novo tipo de instituições, que são desenhadas para rever e contrair o poder político destas grandes empresas. Assim como temos autoridades da concorrência, também devíamos ter instituições com esta tarefa de observar e controlar o poder político em vez do poder económico.

Source: observador.pt

Комментариев нет:

Отправить комментарий